terça-feira, 17 de agosto de 2010

Polícia cria Núcleo de Proteção aos Animais


Eduardo Fachetti - gazeta online
foto: Eduardo Fachetti


O delegado José Monteiro ressaltou importância das denúncias

Por Eduardo Fachetti

A partir da próxima semana 16/08, denúncias de maus tratos a animais domésticos, selvagens ou exóticos terão destino certo na Polícia Civil. A Delegacia de Meio Ambiente contará com um Núcleo de Proteção aos Animais. Com isso, o Espírito Santo passa a ser o segundo Estado do país com uma dependência específica para cuidar de denúncias desse tipo de crime. A primeira iniciativa foi de Campinas, em São Paulo, onde já existe uma Delegacia Especializada em Animais.

De acordo com o delegado de Meio Ambiente, José Monteiro, a nova estrutura vai tornar mais ágil a punição a possíveis infratores. "Como estarão centralizadas todas as informações e ocorrências locais, terei informações precisas em termos de estatítica, até mesmo para, futuramente, solicitar a criação de uma nova delegacia. Recebemos denúncias referentes a gatos, cães, mulas e cavalos. Mas temos também problema com pássaros silvestres. É cultural do brasileiro criar passarinhos, mas muitas vezes não cuidam da forma devida", comentou.

Quem maltrata ou abusa de animais está infringindo a Lei 9.605/98, que trata dos crimes de meio ambiente. A punição, nesses casos, varia de três meses a um ano de detenção. A Justiça também pode determinar o pagamento de multa, que em geral varia de um salário mínimo a até R$ 5 mil.

Sâmara Abrahão, que é membro da Sociedade Brasileira dos Animais, fez um alerta: estudos apontam que quem maltrata animais também é capaz de maltratar uma pessoa. "Um criminoso que já machucou, maltratou ou agrediu um animal com certeza é violento com um ser humano. Certamente ele já agrediu a esposa, um filho, muitas vezes pode violentar crianças. Essa conexão é comprovada", afirmou.

Denúncias de maus tratos a animais podem ser feitas em qualquer unidade policial. O cidadão que quiser registrar denúncia diretamente na Delegacia de Meio Ambiente deve ligar para 3236-8136 ou para o Disque Denúncia 181.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Povos amazônicos realizam encontro contra hidroelétricas na região



Por Karol Assunção, da Adital


Entre os dias 25 e 27 de agosto, a cidade de Itaituba, no Pará, região Norte do Brasil, reunirá centenas de ribeirinhos, indígenas, quilombolas, pescadores tradicionais e agricultores familiares para o I Encontro Inter-Regional de Povos e Comunidades Atingidas e Ameaçadas por grandes projetos de infraestrutura nas bacias dos rios da Amazônia.

De acordo com padre Edilberto Sena, membro da Frente em Defesa da Amazônia (FDA), o encontro será um momento de fortalecimento da defesa da região amazônica e de resistência às obras do Governo Federal. "Vamos resistir ao plano perverso do Governo Lula [Luiz Inácio Lula da Silva, atual presidente do Brasil], que faz o jogo das grandes empresas", comenta.

A expectativa é que cerca de 500 moradores das bacias dos rios Madeira, Teles Pires, Tapajós e Xingu participem do evento, que já será uma preparação para o V Fórum Social Pan-Amazônico, marcado para acontecer em novembro na cidade de Santarém, no Pará. Para padre Edilberto, o encontro também será um momento de articulação dos diversos movimentos contra as hidroelétricas na região. "O evento é fruto do Fórum Social Mundial de Belém [do ano passado] e será a formalização da Aliança Amazônica", afirma.

Durante os três dias, os participantes discutirão ações de resistência aos grandes projetos desenvolvimentistas, realizarão debates e promoverão manifestações contra as hidroelétricas na região. Entre as mobilizações, destaca-se a "Caminhada em Defesa da Vida e contra a Construção de Hidroelétricas na Amazônia", que sairá às 14h do Parque de Exposição de Itaituba e percorrerá as principais ruas da cidade.

Padre Edilberto mostra-se preocupado com o projeto do Governo Federal para a região amazônica. "O Governo está estraçalhando a Amazônia", indigna-se. De acordo com ele, há projetos previstos ou em andamento em todas as quatro bacias destacadas no Encontro.

Na bacia do rio Tapajós, por exemplo, já está em fase de estudo a construção de cinco hidroelétricas que afetará os estados Pará e do Amazonas. De acordo com o integrante do FDA, a previsão é inundar 730 km2 e construir um paredão de 36 metros de altura em São Luiz do Tapajós. "São terras de preservação, terras indígenas", acrescenta.

Além do impacto ambiental, padre Edilberto ainda alerta para os efeitos sociais e econômicos para as comunidades afetadas. Segundo ele, as obras expulsarão os moradores da localidade e a energia gerada ainda não será para o povo da região. "Itaituba, Santarém, Belterra e proximidades já têm energia vinda de Tucurí", afirma, denunciando que tais hidroelétricas serão para servir grandes empresas mineradoras que atuam na região.

Em Teles Pires, no Mato Grosso, conforme informações do integrante da Frente de Defesa da Amazônia, o plano é construir três hidrelétricas médias. No Rio Xingu, no Pará, a discussão gira em torno da construção da usina de Belo Monte, que está na fase de consórcio. Já no Complexo do Rio Madeira, em Rondônia, as obras de Santo Antonio e Jirau já começaram.



(Envolverde/Adital)

Belo Monte: uma monstruosidade apocalíptica. Entrevista especial com D. Erwin Kräutler



Por Redação IHU

O projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu, em Altamira, já se chamou kararaô, grito de guerra do povo indígena Kayapó. O nome foi alterado, de acordo com Dom Erwin Kräutler, “para que o povo do Xingu não lembrasse mais o facão da Tuíra e os rostos pintados de urucum dos Kayapó contrários à hidrelétrica”. Desde os anos 70, quando Belo Monte foi pensado, os indígenas da região se manifestaram contra o empreendimento e a foto emblemática da índia Tuíra esfregando um facão no rosto de José Antônio Muniz Lopes, então diretor de engenharia da Eletronorte, ficou conhecida no mundo inteiro como símbolo de resistência à iniciativa.

Após protestar publicamente contra o empreendimento, Dom Erwin Kräutler recebeu diversas ameaças de morte, e há quatro anos vive com escolta policial 24 horas por dia. Afeiçoado pelo Xingu desde criança, e conhecedor da região há mais de 30 anos, ele defende que Belo Monte “nada tem a ver com energia em casa de pobre”. Em entrevista à IHU On-Line, por e-mail, o bispo do Xingu conta que o projeto tem suas raizes na Ditadura Militar e menciona que caso ele saia do papel, os sacrificios serão “exigidos diretamente dos atingidos, em torno de 30 mil pessoas, e do meio ambiente irrecuperavelmente destruido”.

Ele enfatiza: “O que com Belo Monte se quer é favorecer as indústrias minero-metalúrgicas: ferro e bauxita e sua transformação em lingotes de alumínio, processo extremamente intensivo em energia elétrica”.

Dom Erwin também crítica os estudos ambientais realizados acerca de Belo Monte. Eles são “tão sérios”, ironiza, “que o tamanho do lago já foi alterado por duas vezes. No projeto original abrangia 400 km2. Na licença prévia do IBAMA já alcançou 516 km² e agora o edital do leilão anuncia sem nenhum constrangimento que a área inundada corresponderá a 668 km²”.

Dom Erwin Kräutler estará na Unisinos no dia 5-8-2010, onde abordará o tema Belo Monte, impactos socioambientais. O evento, uma promoção do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, realiza-se às 17h30min, na sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU.

Na noite desta mesma quinta-feira, dia 5, D. Erwin debaterá a situação dos povos indígenas no Brasil, especialmente na Amazônia. O evento será realizado no Teatro Municipal de São Leopoldo - Centro Cultural José Pedro Boéssio, às 20h.

Na sexta-feira, 6-8-2010, às 14h30min, na sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU, ele falará sobre Presença Eclesial na Amazônia: desafios e perspectivas.

Dom Erwiin Kräutler é bispo de Altamira, Pará e presidente do Conselho Indigenista Missioneiro – CIMI.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Belo Monte é um projeto que se estende desde a época da ditadura. O senhor pode nos explicar como, por que e em que contexto surge o projeto de Belo Monte?

Erwin Kräutler - No início da década de 70, a “Integração Nacional” desejada pela Ditadura Militar através da construção da Rodovia Transamazônica (BR 230) foi uma das mais violentas agressões à Amazônia. Não existia plano que visasse o desenvolvimento desta macro-região protegendo-a e respeitando-a dentro de suas características peculiares. A construção da Transamazônica e os outros projetos daquele tempo impostos aos povos da Amazonia já estavam a serviço do grande capital. Em 9 de outubro de 1970, o Presidente Médici deu solenemente início ao programa governamental de derrubar a floresta amazônica, aplaudindo com a comitiva recrutada dos quartéis da ditadura ao tombo de uma grande castanheira. Não me refiro aqui a artigos de jornais da época. Como Padre novo no Xingu - cheguei em 1965 - estive presente de corpo e alma naquele evento que extremamente me chocou. Os bispos, Dom Eurico do Xingu e Dom Estêvão de Marabá, não foram convidados a subir ao palanque para aplaudir a queda estrondosa da castanheira. Visivelmente contrariados ficaram no meio do povo, eles vestidos a rigor, de batina episcopal e solidéu, o povo em mangas de camisa. Confesso hoje, que gostei daquela desfeita que os bispos tiveram que engolir, para caírem na real. Voltando para a casa da Prelazia e escutando o comentário furioso de Dom Estêvão, dei-me conta de que a indelicadeza presidencial surtiu o efeito que eu desejava. Afinal, a Igreja não precisava render homenagem ao responsável pelos mais violentos atos contra os direitos humanos de toda a ditadura militar e a quem agora decidiu a gradativa devastação da Amazônia. A placa de bronze, até o dia em que foi roubada, incrustada no tronco da castanheira, falou de uma "arrancada histórica para a conquista deste gigantesco mundo verde". Impulsionou-se uma migração inédita dentro do Brasil para resolver problemas fundiários nos Estados do centro, sudeste e sul do País, enviando agricultores sem terra e potenciais invasores de latifúndios naqueles Estados para a Amazônia, além de atrair famílias do Nordeste castigado pelas secas periódicas.

Mas, embutido no Projeto de Integração Nacional já se encontrava outro plano. As rodovias que sangravam as florestas cortavam também os grandes rios amazônicos, exatamente nas proximidades das principais quedas d’água, prevendo a construção de barragens para geração de energia. A Rodovia Transamazônica foi inaugurada em setembro de 1972. Já em 1975, a Eletronorte contratou a firma CNEC (Consórcio Nacional de Engenheiros Consultores) para pesquisar e indicar o local exato de uma futura hidrelétrica. Em 1979 o CNEC terminou os estudos e declarou a viabilidade de construção de cinco hidrelétricas no Xingu e uma no rio Iriri, afluente do Xingu. A primeira levou como nome o grito de guerra do povo Kayapó: Kararaô. À população local foram negadas as informações necessárias para avaliar o projeto. A transparência no fornecimento de dados não fez parte do esquema da Ditadura Militar. Mas a estratégia de Lula não deve absolutamente nada à Ditadura Militar que em tempos idos tanto combateu. O governo Lula nega informações, altera arbitrariamente dados, impõe normas e regras contrárias à própria Constituição Federal, manda em frente quem não reza pela cartilha do PAC, faz profissionais do IBAMA, ao apresentarem sérias objeções a Belo Monte, pedir as contas e os despede. Insiste que Belo Monte tem que sair "de qualquer jeito". Até o tão comedido senador Pedro Simon , do Rio Grande do Sul, pediu explicações ao Presidente da República e censurou "a declaração do presidente Lula de que vai construir a obra 'de qualquer jeito'. Não está sendo feliz o presidente da República na sua maneira de se expressar."

Projeto de Belo Monte

Mas voltemos à história desse projeto. De 20 a 25 de fevereiro de 1989, realizou-se em Altamira o I Encontro das Nações Indígenas do Xingu. O evento reunia em torno de 600 índios, pintados para guerra, e teve enorme repercussão em todo o Brasil e no exterior. A foto que retratou a cena em que a índia Tuíra esfregou um facão no rosto de José Antônio Muniz Lopes, então diretor de engenharia da Eletronorte, hoje presidente da Eletrobrás, percorreu o mundo, tornando-se símbolo e uma espécie de logomarca da rejeição total dos índios ao barramento do Xingu.

Pouco depois desta assembléia dos índios em Altamira, encontrei-me em Berna, na Suíça, com representantes do Banco Mundial. Afirmaram-me que jamais iriam financiar um empreendimento deste tipo sem terem absoluta certeza da mais estrita observação das cláusulas ambientais e indígenas. Pronto. Kararaô foi arquivado! Assim pensávamos.

No fim da década de 90, o projeto ressurgiu. O grito de guerra "Kararaô" foi substituído por "Belo Monte" para que o povo do Xingu não lembrasse mais o facão da Tuíra e os rostos pintados de urucum dos Kayapó contrários à hidrelétrica.

Quando, em 27 de outubro de 2002, Luís Inácio Lula da Silva foi eleito presidente da República respiramos aliviados, pois, durante a campanha eleitoral manifestou-se contra Belo Monte como também o fizeram vários candidatos à Câmara dos Deputados e ao Senado. Depois de eleitos passaram por uma surpreendente metamorfose camaleônica. O que antes condenaram como insulto ao Brasil e agressão à Amazônia começaram a defender como única saída para salvar a Pátria do apagão e de um colapso de sua economia.

O Governo Lula considera Belo Monte prioridade do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e para "tranquilizar" os povos do Xingu se decreta com grande alarde que será construída "apenas" uma hidrelétrica. É, sem dúvida, uma das maiores mentiras da história do Brasil, pois quem, em sã consciência, vai investir 30 bilhões de Reais para uma Usina Hidrelétrica que só por alguns meses durante o ano consegue funcionar com pleno rendimento e cuja potência cai nos restantes meses até abaixo de um quinto do previsto, por causa da diminuição do volume d'água durante o verão tropical? Outras barragens serão necessárias e um decreto se pode revogar com a mesma facilidade como é promulgado. "Revoguem-se as disposições em contrário" e fim de papo.

O rio Xingu será sacrificado. "Não existe progresso sem sacrifícios" pregam os políticos e os empresários. Porém, os sacrifícios são exigidos dos diretamente atingidos, em torno de 30 mil pessoas, e do meio-ambiente irrecuperavelmente destruído. Sim, outras barragens são programadas. Ninguém se iluda! A Eletrobrás há tempo adiantou a elaboração dos planos para depois da conclusão de Belo Monte e já dispõe de todo o "inventário" do Xingu com mapa e tudo até acima da cidade de São Félix do Xingu.

IHU On-Line - Por que esse projeto foi arquivado e por que é retomado agora?

Erwin Kräutler - O que há de mais repugnante em torno do projeto Belo Monte são as mentiras descaradamente espalhadas pelo governo que quer ganhar a simpatia do povo brasileiro para esse empreendimento. Assim prega que só com Belo Monte pode ser evitado o apagão que paira como fantasma em cima da sociedade. Diz com todas as letras que Belo Monte fornecerá luz e energia para a casa dos pobres. Acena com o espectro de o Brasil todo de repente ser envolto por densas trevas, causando inúmeras desgraças. Usa até argumentos ridículos afirmando que sem Belo Monte o povo de repente não tem mais como assistir as novelas da Globo e tomar banho com água quente, já que nem televisão nem o chuveiro elétrico funcionam sem energia.

Na realidade, Belo Monte, se for construído, nada tem a ver com energia em casa de pobre. Belo Monte tem como finalidade explorar intensivamente todas as riquezas naturais do solo e subsolo que Amazônia oferece, recursos florestais, minerais e hídricos para atender às demandas internacionais. O governo não insiste em Belo Monte guiado por um espírito altruísta ou filantrópico, inspirado e motivado por um entranhado amor para com quem está na miséria. Belo Monte é concebido a partir dos interesses do mercado internacional e ainda da expansão do agronegócio, também este para atender a exigências internacionais. O que com Belo Monte se quer é favorecer as indústrias minero-metalúrgicas: ferro e bauxita e sua transformação em lingotes de alumínio, processo extremamente intensivo em energia elétrica.

Belo Monte estará a serviço dos "gringos" contra os quais Lula em seu discurso de cunho nacionalista e xenófobo proferido em Altamira no dia 22 de junho de 2010 protestou: "Nós precisamos mostrar ao mundo que ninguém mais do que nós quer cuidar da nossa floresta. Mas ela é nossa. E que gringo nenhum meta o nariz onde não é chamado, que nós saberemos cuidar da nossa floresta e saberemos cuidar do nosso desenvolvimento". Que falácia! Como Lula quer cuidar da floresta se os projetos do PAC a agridem sem escrúpulos para atender interesses estrangeiros? Que desenvolvimento é esse que, para atender o mercado internacional, extermina deliberadamente o maior acervo de biodiversidade ainda nem sequer plenamente pesquisado e catalogado? Como ele vai saber "cuidar de nosso desenvolvimento" se está nada preocupado com as 30 mil pessoas que serão compulsoriamente arrancadas de seus lares ou de seus sítios e roças?

Até essa data não existe um palmo de chão destinado ao reassentamento dessas milhares de famílias diretamente atingidas por essa monstruosidade apocalíptica prevista no PAC. Como ele saberá "cuidar do nosso desenvolvimento" se desrespeita os povos indígenas, as comunidades ribeirinhas e quilombolas? Como ele saberá "cuidar de nosso desenvolvimento" se concorda que um terço da cidade de Altamira vai para o fundo e os restantes dois terços serão banhados por um lago podre e morto, viveiro propício para todo tipo de pragas e gerador de doenças endêmicas?


IHU On-Line -
Por que a ministra, na ocasião Dilma Rousseff, que lutou contra a ditadura, reabre a possibilidade de retomar um projeto planejado na ditadura e incluí-lo no PAC? Como entender?

Erwin Kräutler - Quem vai entender?! Dilma Rousseff, em sua juventude ferrenha antagonista da ditadura e militante intransigente contra tudo o que esse regime inventou, de repente se afeiçoa a um projeto desta mesma ditadura. Depois que o IBAMA, pressionado havia meses, concedeu, em 1º de fevereiro de 2010, licença prévia para a Usina Hidrelétrica Belo Monte, a ministra da Casa Civil brindou os meios de comunicação com um impressionante parecer: "É um projeto que tem um aspecto ambiental importante para o governo, que é provar que é possível fazer um projeto de energia elétrica respeitando o meio ambiente." Como ela pode provar que esse projeto respeita o meio ambiente? Pergunto a ela, se é respeito ao meio ambiente quando 668 quilômetros quadrados são inundados incluindo um terço da cidade de Altamira, hoje com aproximadamente 100 mil habitantes? Os estudos ambientais são tão "sérios" que o tamanho do lago já foi alterado por duas vezes. No projeto original abrangia 400 km2. Na licença prévia do IBAMA já alcançou 516 km² e agora o edital do leilão anuncia sem nenhum constrangimento que a área inundada corresponderá a 668 km².

Queria que Dona Dilma me explicasse o que entende por respeito ao meio ambiente quando além de um lago morto de 668 quilômetros quadrados mais de 1000 outros quilômetros quadrados serão irreversivelmente arrasados pelas obras de construção de imensos paredões de cimento, diques e canais de derivação. Queria que Dona Dilma me explicasse o "aspecto ambiental importante para o governo" quando, ao longo de cerca de 100 km, a Volta Grande do Xingu sofrerá uma tremenda redução da vazão e rebaixamento do lençol freático com imprevisíveis impactos biológicos e sociais. A perda de recursos naturais e hídricos prejudicará diretamente os povos indígenas. Aos indígenas será cortada a água! É isso que se chama respeito ao meio ambiente? Como viver no seco? De que os índios se alimentarão, já que lhes faltará o peixe? Será que Dona Dilma vai providenciar cestas básicas semanais para as famílias indígenas sobreviverem naquela região?

IHU On-Line - Quais os argumentos de quem é contra e a favor dessa iniciativa?

Erwin Kräutler - Quem é a favor da usina alega que ela vai criar milhares de empregos e trazer "progresso". Os empregos serão em sua imensa maioria passageiros. E a argumentação de que Belo Monte vai trazer o sonhado progresso para a região já conheço da época da construção da Transamazônica. Naquele tempo, alguns enriqueceram de fato, mas o progresso que se esperava até hoje não chegou. Promessas nunca faltaram, inclusive do asfaltamento da rodovia e lá se foram quase quarenta anos desde a sua inauguração.

A situação de nossos hospitais e de nossas escolas públicas é simplesmente calamitosa. Em nenhuma cidade da região do Xingu existe saneamento básico merecedor deste nome. Esgoto a céu aberto ou então canalizado para o mesmo rio em que a pouca distância do lugar do despejo dos dejetos é captada a água "potável" para a população urbana.

A cidade é tão violenta que a polícia não dá conta. Viajar em ônibus para outra cidade é muito arriscado. Há casos em que um ônibus é assaltado duas vezes na mesma viagem.

E agora, por causa de Belo Monte tudo vai mudar? Precisa-se realmente criar um projeto tão monstruoso para que finalmente sejam respeitados a dignidade e os direitos constitucionais de brasileiras e brasileiros e levadas em conta as necessidade básicas da população? Promessas de migalhas que caem da mesa de um grande projeto após beneficiar as empresas e os políticos de plantão?

Os empresários e comerciantes apostam na hidrelétrica porque pensam que vão faturar em cima dela e sonham com uma Altamira inundada, não por água, mas por dinheiro. A ingenuidade de uns é tamanha que chega ao ponto de pensarem que seus estabelecimentos serão beneficiados por compras maciças de insumos e materiais necessários para a construção dos paredões e canais.

Mais espantoso ainda é que os poderes municipal, estadual e federal nem sequer se preocupam com a vinda ao Xingu de milhares de pessoas e famílias em busca de oportunidades de emprego, tão logo que seja dado o tiro de largada para a construção. Altamira não tem a mínima infraeestrutura para acolher tantas pessoas. Pior, ninguém tem ideia onde essas famílias vão morar. Sem dúvida vão inchar as periferias da cidade, aliás aquelas mesmas baixadas que depois da barragem feita serão tomadas pelo lago artificial. Não há planejamento, não há perspectiva, não há políticas públicas para essas famílias. Da parte do governo, de modo especial de seu setor energético, o que há são vagas promessas de "solução", mas nenhum desses tecnocratas se dá o luxo de fornecer detalhes, pois na verdade, eles mesmos nem sabem o que vai acontecer e nem sequer se afligem com isso, pois não está em jogo o futuro de suas próprias famílias, de seus filhos e netos. Como tantas vezes ocorreu com projetos similares, vai se improvisar algumas medidas e depois se entregará o povo à sua própria sorte. Pergunto, se existe um exemplo pelo Brasil afora que realmente prove o contrário?

Os estudos de impactos feitos pelo governo falam em “ruas“ que vão para o fundo. Não se referem às “moradias” ao longo dessas ruas e muito menos às pessoas que residem nessas casas. Bairros inteiros serão tomados pelas águas do reservatório. O povo que lá reside fez suas casas em alvenaria ou madeira ao longo dos anos passados com muito suor e sacrifício. No entanto, a maioria não dispõe de Título de Registro de Propriedade.

IHU On-Line - O senhor se afeiçoou ao Xingu desde pequeno, quando recebia cartas de seu tio que morava no Brasil. Que outros aspectos contribuíram para que o senhor tivesse tanto carinho por esta região e seus habitantes?

Erwin Kräutler - É verdade que desde a minha infância sonhei com o Xingu sem ter ideia onde ficava. Quando na geografia estudávamos a América do Sul, achei o Xingu e identifiquei-o como afluente do Amazonas. Meu tio falou com carinho dos povos do Xingu, dos seringueiros, dos pescadores, mas de modo especial dos índios. Vir para a Amazônia talvez tenha sido o meu destino, minha sina. Mesmo assim não acredito em "destino" como uma espécie de força cega. Eu acredito antes em vocação no sentido mais profundo de um "chamado", na linha do que diz o profeta Ezequiel: "A mão do Senhor veio sobre mim e me conduziu..." (Ez 37,1).

Fato é que não fui "mandado" para o Brasil e o Xingu. Foi escolha minha, decisão que eu mesmo tomei. Somente a comuniquei aos meus superiores de congregação que concordaram e assim embarquei poucos meses após minha ordenação sacerdotal para o Brasil. O Xingu tornou-se minha nova pátria. Nunca vivi o meu ministério de Padre em outro canto do mundo ou em outra região do Brasil. Quando fui nomeado bispo começou uma nova etapa em minha vida. Tornei-me responsável por toda a Prelazia do Xingu, com seus 365 mil quilômetros quadrados a maior circunscrição eclesiástica do Brasil, quase o equivalente aos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina juntos. Logo após a minha sagração comecei a cumprir o que leigas e leigos pediram ao bispo novo: visitar as comunidades dispersas neste vasto território e "sentir na pele o que elas e eles estão sentindo há tanto tempo".

Tendo contato direto com o povo e experimentando pessoalmente a realidade em que vive, me afeiçoei ainda mais a essa gente que se tornou "meu povo" e me aceitou como seu bispo-irmão. Nunca me esqueço do grito deste povo quando, em 1983, fui preso pela Polícia Militar por solidarizar-me com canavieiros da Transamazônica, explorados e maltratados. Esperando há nove meses o pagamento da safra, bloquearam em protesto a estrada. Ao ser jogado no chão, manietado e preso por um brutamontes de policial, o povo gritou: "Larga ele! Ele é nosso bispo!" Sempre entendi minha missão também como defensor intransigente da dignidade e dos direitos humanos, especialmente das pessoas que o sistema neoliberal vigente considera como "supérfluas" ou "descartáveis". Assumi, de modo particular, a defesa das crianças, das mulheres e dos povos indígenas, secularmente desprezados e discriminados até os dias de hoje. Também os colonos ameaçados de expulsão de suas terras ou sem acesso a um lote em que pudessem plantar e colher para sustentar suas famílias, sempre podem contar com meu engajamento em seu favor.

Com esse empenho naturalmente não ganhei apenas amigos. Há gente que se sente prejudicada em seus interesses e ambições e reage prontamente com ameaças e difamações. Há quatro anos estou sob proteção policial 24 horas. Quatro PMs se revezam em dois turnos, moram na minha casa e me acompanham sempre onde quer que esteja, também nas viagens às comunidades do interior, nas celebrações, reuniões, visitas e encontros.

IHU On-Line - Em entrevista ao jornal Valor, o presidente da Eletrobrás, José Antonio Muniz Lopes, diz que em Altamira existem onze etnias indígenas e, dessas, quatro são contra e sete são a favor de Belo Monte. Mencionou ainda que as etnias contrárias ao projeto pertencem ao Alto Xingu, onde a obra não tem nenhuma interferência. Como o senhor se posiciona diante das declarações?

Erwin Kräutler - O presidente da Eletrobrás, José Antônio Muniz Lopes, sempre desdenhou da luta indígena contra Belo Monte e com a afirmação de que nas etnias do Alto Xingu o projeto não tenha nenhuma interferência ele mais uma vez esconde as cartas. Ele sabe perfeitamente que o projeto do aproveitamento do Xingu para gerar energia não se limita ao Belo Monte, mas sacrificará o Rio Xingu em toda a sua extensão de mais de 2000 quilômetros. É mero cinismo do presidente da Eletrobrás que, da altura do cargo que lhe foi outorgado pelo presidente Lula, não vê nenhuma necessidade de dar satisfação a quem quer que seja e muito menos de discutir os prós e contras do projeto. Jamais engoliu o fato de uma índia ter esfregado um facão no seu rosto e suas reações desdenhosas certamente são consequência deste incidente que o humilhou diante das câmeras de TV do mundo inteiro. Não me consta que ele tenha visitado as aldeias indígenas do Xingu e por isso está desautorizado a afirmar quantas etnias estão a favor e quantas contra Belo Monte. É bem verdade que alguns indígenas foram cooptados pela Eletronorte que usa de todos os meios para convencer os índios de que Belo Monte vai beneficiar as aldeias. No entanto, afirmar categoricamente que uma "etnia" é a favor e outra contra é mera conjetura.

IHU On-Line - Qual a influência da Eletrobrás em Altamira?

Erwin Kräutler - A Eletrobrás adotou, desde que abriu seu escritório em Altamira, a estratégia de cooptação dos diversos segmentos da sociedade e dos povos indígenas para os seus interesses. Foge, porém, de qualquer discussão pública onde teria que responder a questões e argumentos dos que são contrários ao projeto. Eu mesmo posso provar essa atitude pouco democrática. Tempos atrás a juventude estudantil de Altamira promoveu um evento em que defensores e opositores de Belo Monte pudessem apresentar sua posição a favor ou contra. A Eletronorte, sem justificar-se, brilhou pela ausência ou, em outras palavras, manifestou mais uma vez a sua covardia.

Aliás, quem ainda confia na Eletronorte? Ela foi responsável por outra usina hidrelétrica, a de Balbina, o pior projeto de geração de energia no Brasil, no rio Uatumã, AM, que o próprio presidente da República na ocasião em que me recebeu em audiência (22 de julho de 2009) classificou de "monumento da insanidade".

IHU On-Line - O rio Xingu tem épocas de cheias e secas? Acontece de, em períodos de cheias, alagar alguns pontos da cidade? Como isso interfere na vida da população?

Erwin Kräutler - É verdade que o volume d'água do Xingu oscila dependendo da época. A diferença entre o inverno e o verão é bastante acentuada. O verão se caracteriza por extensas praias douradas e baixo nível de água no leito principal do rio. As praias são sempre procuradas e frequentadas nos fins de semana pelo povo de Altamira que jamais pode imaginar que irão desaparecer para sempre. No inverno, na estação das chuvas, algumas áreas no perímetro urbano são alagadas todos os anos e por isso oficialmente interditadas para habitação humana. Mesmo assim, famílias sem recursos montaram seus barracos aí e todos os anos tem que ser removidas para escolas públicas ou para o parque de exposição até o rio baixar.

A inundação prevista em consequência do projeto Belo Monte nada tem a ver com as "cheias" anuais, mas alagará áreas habitadas que nunca ou raras vezes foram atingidas pelo Xingu. Nos 45 anos que vivo no Xingu vivenciei duas enchentes maiores que, de fato, atingiram quase toda a baixada de Altamira. Mas foram realmente exceções. O lago artificial, no entanto, ultrapassará - e muito - as maiores enchentes já verificadas, fazendo de Altamira uma península em meio a águas estagnadas e isso não apenas por algumas semanas mas para sempre, de modo irreversível.

IHU On-Line - O último relatório do Cimi revela que mais de 60 índios foram mortos no ano passado. A que o senhor atribui tanta violência contra os povos indígenas? Essas mortes têm alguma relação entre si?

Erwin Kräutler - O Conselho Indigenista Missionário - CIMI publica, desde 1993, anualmente um relatório sobre as mais variadas formas de violência perpetradas no Brasil contra os povos indígenas. Esses crimes violam frontalmente a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT. Várias vezes fui perguntado, até quando o CIMI estaria disposto a ir a público com tais dados estarrecedores. Sempre respondo que, enquanto existir uma única morte violenta de uma índia ou um índio, o CIMI não se calará. Se nós nos calarmos o sangue derramado gritará do solo brasileiro ao céu. É uma chaga aberta que atravessa todo o país. E existe um detalhe. Os dados de que dispomos são fornecidos por nossos missionários que vivem junto aos povos indígenas e por matérias publicadas em jornais. Não se trata de uma exaustiva estatística anual que revela todos os crimes. Relatamos somente aqueles de que tivemos notícia. O número de mortes e agressões violentas, portanto, não se restringe ao relatório por nós divulgado. Ultrapassa-o. Há, sem dúvida muito mais mortes de índios e violências contra esses povos.

A maior parte destes crimes está relacionada às terras, de que os índios foram expulsos ou que lhes foram roubadas. Os conflitos ocorreram por causa da invasão de terras indígenas por parte dos diversos grupos econômicos, de modo especial fazendeiros, usineiros, madeireiros e empresas de energia elétrica.

Há ainda indígenas que estão vivendo encurralados em áreas tão diminutas que sua vida se torna um inferno nesta terra e por isso optam, antes do tempo, pela vida no céu, no além, onde acreditam poder viver sossegados e como Guarani de verdade. Com esta fé e esperança escolhem o suicídio. É macabro, mas a mais pura verdade.

FOTO
Legenda: Índia Tuíra, em 1989
Crédito: Agência Estado



(Envolverde/IHU On-Line)

"Belo Monte é uma cópia de Dardanelos: são dois projetos malucos no meio da Amazônia", diz pesquisadora

Por Thais Iervolino, do Amazonia.org.br

Na semana passada, índios de diversas etnias protestaram contra a construção da Pequena Central Hidrelétrica de Dardanelos, que já está sendo construída no rio Aripuanã, noroeste no Mato Grosso.

Para aprofundar o tema e saber um pouco mais sobre o projeto da usina e seu processo de licenciamento, o Amazonia.org.br fez uma entrevista exclusiva com Telma Monteiro, coordenadora Energia e Infra-Estrutura Amazônia da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé.

De acordo com Telma, que acompanhou de perto o licenciamento da usina, bem como analisou os estudos relacionados ao projeto, a usina de Dardanelos e a de Belo Monte possuem muitas características semelhantes. "O projeto de Dardanelos tem as mesmas características que o de Belo Monte, com uma escala diferente. Eles são similares no sentido do desvio da vazão da água do rio por meio de canais", diz.

Veja a entrevista na íntegra.

Amazonia.org.br - Na semana passada, indígenas ocuparam o local onde está sendo construída a usina hidrelétrica de Dardanelos, no rio Aripuanã (MT), para protestar contra as obras da hidrelétrica. Qual o motivo do conflito?

Telma Monteiro - A região já é, ao longo do tempo, palco de muitos conflitos com os indígenas. A usina de Dardanelos está sendo construída no rio Aripuanã, cujo município possui o mesmo nome e se localiza no noroeste do Mato Grosso.

O município foi criado em 1944, mas por causa do difícil acesso, ele acabou sendo administrado em Cuiabá. Só em 1966 criou-se a sede do município no local atual, na margem direita do rio, justamente à frente de dois maravilhosos saltos: o Salto de Andorinhas e o de Dardanelos. São dois dos mais belos do Brasil.

Cerca de 30% de seu território é ocupado por duas terras indígenas (TIs): a TI Aripuanã e a TI Arara Rio Branco, já demarcadas e atualmente ocupadas por 475 índios das etnias Cinta-larga e Arara.

A pouca quantidade de indígenas nessa área é devida aos muitos conflitos existentes ao longo do tempo que resultaram na morte de índios, por questões de disputa de terras, garimpo, a redução do parque indígena em 1974, entre outros motivos.

Os conflitos eram tantos na região - rica em madeira, minérios e destino de muitos migrantes, que chegavam ao local via um programa de colonização agrícola promovido pelo governo da época - que em 1968 o município foi declarado como de Segurança Nacional.

Com a construção da usina, houve alguns problemas: o rio e as cachoeiras ficaram turvos, os peixes desapareceram, as compensações não são suficientes para mitigar todos os estragos ambientais que estão acontecendo e a cicatriz é terrível naquele lugar maravilhoso.

Com esse contexto, aliado aos impactos trazidos pela hidrelétrica, chega-se à conclusão que com as obras, com os desvios e com os problemas todos que estão acontecendo, os índios começaram a sentir os impactos.

Amazonia.org.br - Como é o projeto da usina de Dardanelos?

Telma - O projeto [de construção da usina] data de 2004. Em 2005, a Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] aprova os estudos de viabilidade, desenvolvidos pela Eletronorte e Odebrecht, e o projeto foi levado para a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Mato Grosso a fim de se fazer o licenciamento.

O EIA-Rima [Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental] foi inclusive contestado pelo Ministério Público Federal (MPF) e do Estadual (MPE) com duas ações civis públicas contra o licenciamento. Apesar disso, os responsáveis pelo projeto conseguiram convencer as autoridades do município que a obra geraria desenvolvimento em Aripuanã, com melhor infraestrutura e maior oferta de emprego.

Porém, esqueceram de contar [para as autoridades e a população] o drama do rio Aripuanã, que nas cheias possui uma vazão alta e uma vazão muito baixa na seca.

As cheias do rio Aripuanã podem chegar a mais de 2 mil m³ por segundo e as secas chegam a cerca de 18 m³/s. A alta diferença de vazão do rio com a usina instalada vai decretar o fim das cachoeiras. Durante sete meses do ano eles vão reduzir a vazão do rio para as cachoeiras de 30m³/s para 6m³ por segundo.

O projeto de Dardanelos possui as mesmas características que o de Belo Monte, com uma escala diferente. Ele é uma cópia de Belo Monte. A única diferença é que a escala de Dardanelos é muito menor. Estamos falando em 261 MW de capacidade instalada, com cinco máquinas geradoras e 127 MW que eles dizem serem energia firmes, mas que podem não ser nem 127.

Em Dardanelos foi projetado um canal que desvia a água da montante das cachoeiras, de aproximadamente 2 mil metros de canal e que deságua depois dessas quedas d'água, que vão desaparecer. É um projeto tecnicamente ultrapassado. É uma concepção tecnicamente ultrapassada e, além disso, o custo da energia será muito mais alto e, claro, não há viabilidade econômica.

Amazonia.org.br - Como foi o processo de diálogo com a sociedade e os povos indígenas para a aprovação da obra?

Telma - Foi mais ou menos o menos do que ocorreu com as audiências públicas de outros projetos hidrelétricos, como o de Belo Monte. A diferença é que as pessoas não tinham tanta informação, os projetos não eram tão divulgados na mídia.

As pessoas foram novamente enganadas por todo esse aparato dos empreendedores. As duas terras indígenas estão conceituadas como áreas de influência indireta, ou seja, não foi necessária a consulta.

No EIA, percebe-se que a área de influência direta é mínima, apenas condiz com o local exato das instalações, de 3 quilômetros. Mais uma vez temos os estudos ambientais que não revelam exatamente a extensão dos impactos, que consideram terras indígenas e duas Unidades de Conservação (UCs) como áreas de influência indireta.

Amazonia.org.br - Além de não considerar efetivamente a extensão exata dos impactos, houve alguma outra irregularidade e/ou ineficiência no EIA-Rima?

Telma - Uma irregularidade importante é que não foi feita o licenciamento das linhas de transmissão.

A declaração de reserva da disponibilidade hídrica da Agência Nacional de Águas (ANA) foi desconsiderada. Eles [os responsáveis pelo projeto] fizeram outra declaração, não levaram em consideração a declaração da agência.

Além de não observarem as normas ambientais. O EIA-Rima, por exemplo, não questionou todos os aspectos, efeitos e impactos do empreendimento.

Amazonia.org.br - Quais foram os processos na Justiça contra a obra?

Telma - Uma ação foi ajuizada em dezembro de 2005 para impedir que fosse feito o leilão. A liminar foi concedida e o projeto acabou não entrando no leilão naquele ano.

A outra ação, baseada inclusive no despacho da liminar concedida em 2005, foi ajuizada em outubro de 2006 para impedir que o projeto fosse a leilão. Mas, infelizmente, o projeto acabou sendo leiloado.

Além disso, há duas ações civis que ainda tramitam na Justiça, uma desde 2005 e outra desde 2006, e pedem a anulação do projeto e a paralisação das obras por causa das irregularidades, por conta da falta do licenciamento das linhas de transmissão, inclusive os custos dessa linha foi desconsiderado.

Amazonia.org.br - Você compara Dardanelos a Belo Monte...

Telma - Em Belo Monte, projetou-se um reservatório que possui dois canais de adução que chegam para o chamado reservatório dos canais, que alimenta a casa de força principal. Isso significa que eles estão desviando uma parte da vazão do rio Xingu, da Volta Grande do Xingu, que vai sofrer com isso. São 100 km de impactos com a vazão que eles querem reduzida.

Em Dardanelos é a mesma coisa. O projeto também possui um canal para desviar uma parte da vazão do rio Aripuanã para alimentar a caixa de força. Os projetos são similares no sentido do desvio da vazão da água do rio por meio de canais. Dois canais no caso do Xingu e um canal no Aripuanã.

No caso do Aripuanã, as duas cachoeiras sofrerão com a redução da vazão. Podem ser até extintas. No caso do Xingu, a Volta Grande do Xingu, a região dos Pedrais, também vai sofrer com a falta da vazão que foi desviada.

São dois projetos malucos no meio da Amazônia para desvio de rios para a geração de energia, com consequências inimagináveis para a biodiversidade, para o ecossistema, a população.



(Envolverde/Amazônia.org.br)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Aumenta a perda de biodiversidade no planeta







Por Soledad Ghione

05/08/2010 - 05h08

Os governos não conseguiram cumprir sua promessa de chegar a 2010 com uma redução significativa da perda de diversidade biológica. Isso é o que acaba de reconhecer o Centro de Monitoramento para a Conservação Mundial, ligado às Nações Unidas. A notícia não causou nenhum escândalo. Pelo contrário, passou desapercebida. Os resultados são conclusivos em demonstrar que a biodiversidade declinou nas últimas quatro décadas. Essa diminuição pode ser observada em distintos grupos animais, como mamíferos ou aves, e na extensão de bosques, manguezais e arrecifes de corais.

A medida que a atenção se concentra cada vez mais nos temas ambientais globais, como a mudança climática, esquecem-se problemas locais como a alarmante perda de biodiversidade. Os governos não conseguiram cumprir sua promessa de chegar a 2010 com uma redução significativa da perda de diversidade biológica. Isso é o que acaba de reconhecer o Centro de Monitoramento para a Conservação Mundial, ligado às Nações Unidas. A notícia não causou nenhum escândalo. Pelo contrário, passou desapercebida.

Os países signatários do Convênio sobre a Diversidade Biológica acordaram em 2002 que deveriam obter uma significativa redução no ritmo da perda de biodiversidade para 2010, Ano Internacional da Diversidade Biológica. A recente avaliação dessa meta, encabeçada por Stuart H. M, Butchart, do Centro de Monitoramento para a Conservação Mundial do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), baseou-se em uma série de indicadores, tais como a apropriação de recursos naturais, o número de espécies ameaçadas, a cobertura de áreas protegidas, a extensão de bosques tropicais e manguezais e o estado dos arrecifes de coral. O período avaliado foi amplo: de 1970 a 2006.

Os resultados são conclusivos em demonstrar que a biodiversidade declinou nas últimas quatro décadas. Essa diminuição pode ser observada em distintos grupos animais, como mamíferos ou aves. Reduziu-se também a extensão dos bosques e manguezais e se deterioraram as condições marinhas, por exemplo, nas zonas com arrecifes de coral. As tendências agregadas dos indicadores de estado também pioraram. Em nenhum caso, se identificaram reduções dos ritmos de perdas.

A informação parcial disponível também aponta que os ambientes naturais estão se subdividindo e se fragmentando, com o que sua qualidade de reservatório de fauna e flora se deteriora. Um exemplo disso é o caso da Mata Atlântica brasileira que, no passado, foi o segundo bosque mais extenso da América do Sul e do qual se conservam aproximadamente 10%, numa área fragmentada em parcelas diminutas (80% dos remanescentes têm uma extensão inferior a 0,5 quilômetro quadrado).

O estudo mostra também o agravamento de outros processos, como um maior consumo dos bens que os ecossistemas produzem ou a invasão de espécies exóticas que substituem as nativas. Em nenhum caso se identificaram reduções nas pressões sobre os ecossistemas.

Essa avaliação não desconhece alguns avanços e tendências positivas, como o aumento na cobertura das áreas protegidas, a inclusão sob proteção de novas áreas chave para a biodiversidade ou o aumento da superfície de bosques manejados de forma sustentável (1,6 milhões de quilômetros quadrados). No entanto, o balanço final indica que, em escala global, é altamente improvável que se cumpram os objetivos de conservação fixados para 2010. Os esforços realizados para conservar a biodiversidade têm sido claramente inadequados, com uma defasagem importante entre as crescentes pressões humanas e uma série de respostas lentas e insuficientes.

Estes resultados são consistentes com a avaliação preliminar da situação ambiental sulamericana, divulgada recentemente pelo Centro Latinoamericano de Ecologia Social (CLAES), onde se alerta que o resultado final entre as pressões e os usos da natureza e as medidas de conservação é um contínuo aumento da deterioração ecológica.

Essa grave situação está passando desapercebida enquanto a discussão latinoamericana sobre temas ambientais está cada vez mais absorvida pelos temas da mudança climática global. É necessário alertar sobre estas tendências e redobrar os esforços para que os governos e as sociedades promovam medidas mais efetivas de conservação, incluindo realmente essa dimensão nas estratégias de desenvolvimento, e garantindo o financiamento e respaldo necessários para cumprir com os compromissos assumidos anos atrás.

*Soledad Ghione é pesquiadora do CLAES (Centro Latino Americano
Ecología Social) – http://www.ecologiayconservacion.com

Tradução: Katarina Peixoto


(Envolverde/Carta Maior )