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18/12/2009 - 01h12
Por Paul Virgo, da IPS
Roma, 18/12/2009 – Por muito tempo, alguns afirmaram que não se devia comer carne porque pressupunha “assassinar” animais. Agora podem argumentar que isso também mata o planeta, devido à enorme contribuição do gado com as emissões de gases que provocam o efeito estufa. O setor pecuário gera cerca de 18% das emissões contaminantes, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), mais do que a produzida pela queima de combustíveis de nossos automóveis e dos aviões que nos levam de um continente a outro.
“O vegetarianismo é o melhor e mais efetivo que alguém pode fazer pelo meio ambiente”, disse um leitor berlinense em um fórum do site do jornal The New York Times, sobre como as pessoas podem combater a mudança climática. São várias as maneiras como a enorme demanda por carne da humanidade gera emissões. A produção mundial quase duplicou desde 1961, chegando a 282 milhões de toneladas em 2009, e espera-se que duplique até 2050, segundo a FAO.
É um importante vetor de desmatamento, já que são cortadas árvores para criar novos pastos e terra arável, o que faz com que seja liberado dióxido de carbono armazenado nas árvores cortadas ou queimadas. Este processo também tem enorme impacto sobre a biodiversidade. O gado representa 37% do metano induzido pelos seres humanos. Trata-se de um gás com potencial de aquecimento global 23 vezes superior ao do dióxido de carbono, principalmente pelas flatulências e arrotos dos animais.
Esses animais também geram 65% do óxido nitroso da humanidade, cujo potencial de aquecimento global é 296 vezes o do dióxido de carbono, em particular a partir dos excrementos, disse a FAO em seu informe “A grande sombra do gado”, de 2006. Também se deve ter em conta a pegada ecológica de produzir os alimentos consumidos pelos animais, bem como o carbono queimado para fazer funcionar as fazendas industriais, os matadouros e as unidades de processamento, bem como para refrigerar a carne.
Se tudo isso não fosse suficiente, o gado também causa uma degradação generalizada do solo e da água. Os principais agentes contaminantes incluem dejetos animais, antibióticos e hormônios, produtos químicos derivados de curtumes e os fertilizantes e pesticidas usados nos cultivos que servem de alimento. Estes são os fatores que uma vez levaram Yvo de Boer, secretário-executivo da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática – cuja 15ª conferência termina hoje em Copenhague – a dizer que “a melhor solução seria que todos nos tornássemos vegetarianos”.
Rajendra Pachuri, presidente do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC), e Lord Stern of Brentford, professor da Escola de Economia de Londres, figuram entre os nomes eminentes em expressar sentimentos semelhantes. Mas, muitos consideram que este ponto de vista é muito simplista, entre eles a própria indústria da carne. “Penso que se pode coincidir com a declaração comam menos carne, mas a mensagem que às vezes é transmitida diz deixem de comer carne, e essa é uma mensagem enganosa e alarmista”, disse à IPS Giuseppe Luca Capodieci, da União Europeia do Comércio do Gado e da Carne.
De fato, é um assunto complicado. Para começar, a pegada ecológica de meio quilo de carne varia de caso para caso. A de vaca possui a maior, e a de frango a menor. Importa como são produzidas: comer um pedaço de frango de um estabelecimento tradicional é muito menos problemático do que se servir de uma bisteca de carne bovina procedente de uma fazenda industrial. E não se deve esquecer que os grãos e as verduras podem ter enormes pegadas ecológicas, se ao serem cultivadas for usado herbicidas e pesticidas elaborados com petróleo, em solo empapado de fertilizantes contendo nitrogênio.
Além disso, o setor pecuário pode ajudar a mitigar as emissões, bem como as terras de pastoreio bem manejadas e os sistemas de pastagens rotativas em entornos naturais podem agir como sumidouros de carbono, seqüestrando esse gás nos solos em lugar de liberá-los na atmosfera. Tampouco se deve ignorar a importância social do setor. Este emprega 1,3 bilhão de pessoas e dá sustento a um bilhão de pobres do mundo, especialmente da África e Ásia, segundo o informe da FAO. Como a criação de animais não exige uma educação formal ou grande capital, e comumente também não requer títulos de propriedade da terra, frequentemente é a única atividade econômica acessível para os pobres nas nações em desenvolvimento.
As reservas animais de criação também podem ser uma fonte de alimentos e renda que permita a sobrevivência dos pequenos agricultores quando as secas e outros eventos climáticos extremos afetam seus cultivos. Depois há a questão nutricional e o debate a respeito de os onívoros seres humanos poderem alguma vez ter uma dieta verdadeiramente balanceada sem carne. E embora pareça claro que o consumo excessivo de carne no mundo industrializado contribui com as doenças cardíacas e o aumento da obesidade, incorporar mais carne, leite e ovos às dietas de muitos pobres dos países em desenvolvimento seria bom para reduzir as deficiências de proteínas e vitaminas.
Ou seja, o problema maior pode ser a desigualdade do consumo, mais do que a ingestão de carne por si só. Em 2008, a produção de carne por pessoa foi de 81,9 quilos nos países ricos, contra 31,1 quilos nos pobres, diz a FAO. Inclusive deixando de lado essas considerações, alguns ambientalistas acreditam que de todo modo seria um erro por o vegetarianismo nas alturas como respostas aos males do planeta.
“É infeliz o fato de alguns ambientalistas terem se aferrado à ideia do vegetarianismo, porque pelo menos na cultura ocidental, onde se dá tanta importância à liberdade individual, uma proibição total não funciona tão bem como redirigir, simplesmente, as normas alimentares para controlar a proporção”, disse à IPS Erik Assadourian, pesquisador do Worldwatch Institute, com sede em Washington.
Assadourian afirma que reduzir o consumo de carne no mundo industrial, sem necessariamente eliminá-la, permitiria produzir a carne que se come de modo amigável com o clima, com animais pastando em lugar de comerem grãos em fazendas industriais, por exemplo. Muitos especialistas concordam, embora a proporção a ser diminuída continue sendo discutível.
Um informe publicitário de novembro da revista médica britânica The Lance sugeria reduzir o consumo em um terço. Assadourian acredita que se deveria ir mais longe e adotar uma dieta baixa em carne, que alguns chamam de “flexitarianismo”. À noite, “no jantar nos deram massa com um pouco de toucinho para lhe dar sabor e uma grande porção de carne suína no prato seguinte”, recordou. “O uso moderado da carne no primeiro prato é o que considero um bom modelo, no qual se incorpora a carne mas apenas para lhe dar gosto. O segundo seria melhor reservar para ocasiões especiais, como Natal e Dia de Ação de Graças”, afirmou.
É possível que o debate nunca se resolva totalmente. Mas alguns acreditam que o principal é divulgar o assunto, com a ajuda de iniciativas como a de Pachauri e do ex-Beatle Paul McCArtney, com a campanha “Menos carne=Menos aquecimento”, para que a população seja mais consciente do impacto de suas escolhas. “Gostaríamos que todos fossem vegetarianos, mas somos realistas e sabemos que isso não acontecerá da noite para o dia. O importante é estarmos falando do vínculo entre a carne e a mudança climática. Há um ano as pessoas não faziam isso”, disse à IPS Su Taylor, da britânica Sociedade Vegetariana. (IPS/Envolverde)
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